Por Luiz Vendramin Andreassa
Gosto de fazer metáforas entre a sociedade e o futebol porque acho que ele representa bem muita coisa fora das quatro linhas. Por exemplo, existem reacionários tanto entre as pessoas comuns quanto entre e os torcedores. Se no primeiro caso os reacionários são conhecidos como avessos a mudanças, preconceituosos e moralistas, no futebol as características são um pouco diferentes. Penso que o torcedor reaça é aquele para o qual a mais recorrente (ou mesmo única) explicação para mau desempenho e resultados ruins do seu time é a falta de vontade dos jogadores. Tudo se resume a isso: se o time está mal num campeonato, é porque os jogadores não se doam o bastante; se perde um jogo improvável e não se encontra razões evidentes, a causa é a ausência de determinação. A cobrança por raça nas partidas é a substituta do moralismo hipócrita dos seus equivalentes na política.
O ponto falho de ambas as posições é que elas impedem as pessoas de entender a realidade dos problemas. O moralismo, pura e simplesmente, não explica nem ajuda a resolver a corrupção da classe política, por exemplo. Dizer que todos os políticos têm desvio de caráter, além de uma imprecisão, é uma inutilidade porque impede uma análise profunda das raízes da corrupção e, consequentemente, afasta a sociedade de uma solução. Já as acusações de falta de vontade dos jogadores fazem o torcedor ignorar as reais deficiências de uma equipe, quase sempre causadas por diversos outros fatores – desde má fase de jogadores-chave, passando por incapacidade técnica e tática e escolhas erradas da comissão técnica. Raros são os casos em que uma equipe não rende por falta de entrega de seus jogadores, e quase sempre esses casos são reconhecidos com alguma unanimidade, inclusive pelos analistas e comentaristas que evitam as explicações volitivas.
É mais comum a apatia e o desinteresse afetarem um ou outro atleta. Todo torcedor sabe apontar algum caso desses no seu clube. Mas ver isso em toda uma equipe é, geralmente, reclamação de quem não quem não entende de futebol. É claro que existem aqueles times que se doam em um nível superior à média, ou que jogam com “intensidade”, essa palavra tão comum no meio da bola hoje em dia. A questão é que intensidade, realmente um fator importante no jogo que é jogado hoje em dia, não é o mesmo que raça. Jogar de forma intensa necessita de uma boa dose de entrega e ótimo condicionamento físico, é verdade, mas tem muito mais a ver com tática do que com aspectos anímicos. Não se é intenso apenas correndo sem parar, sem organização e sem controlar o ritmo do jogo.
O que acontece é que todos os times realmente tentam vencer e (quase) todos perseguem esse objetivo com determinação – não importa quanto o boleiro ganhe, se sua vida financeira está feita, ninguém entra numa partida pra perder. Agora, existem aqueles times que, para compensar suas deficiências técnicas ou fazer funcionar uma estratégia específica, jogam num nível de atenção ainda maior. É o caso do Corinthians do Carille e do Liverpool recentemente vice-campeão europeu. É preciso treinar uma equipe para que ela jogue de forma intensa, dando a impressão de que seus adversários, perto dela, jogam sem vontade. Existe também um componente psicológico nisso: tem a ver com a confiança dos jogadores e a capacidade do treinador vender suas ideias aos comandados, de forma que eles se dediquem além do normal.
O torcedor comum tem todo o direito de achar que os jogadores do seu time não jogam tudo que podem porque, simplesmente, não querem. Pode pedir raça à vontade. Mas, para quem quer entender um pouco mais profundamente o futebol, não dá pra usar essa muleta com frequência. Pior ainda é quando os dirigentes adotam o discurso, como os do Palmeiras, que apostaram em Felipão para resolver os problemas da equipe alviverde. É preciso fazer mais perguntas. Por que a equipe não rende o esperado? Por que conquista uma vitória inesperada e sofre é derrotada quando é favorita? Por que não conquista títulos? A explicação quase sempre está além das aparências e é encontrada nos elementos técnicos, táticos e psicológicos.