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O dia em que a seleção inglesa fez a saudação nazista – e o jogador que se opôs a isso

Por Luiz Vendramin Andreassa

O futebol, em certas ocasiões, pode ser usado como ferramenta diplomática. Stanley Rous, secretário da FA (a Federação Inglesa de Futebol), sabia disso quando fez o insólito pedido aos jogadores da seleção da Inglaterra: antes do apito inicial daquele amistoso contra a Alemanha, eles deveriam levantar a mão direita e fazer a saudação nazista.

Era 14 de maio de 1938 e o mundo vivia as tensões da Segunda Guerra Mundial, que começaria oficialmente em 1º de setembro de 1939. Dois meses antes, a Alemanha de Adolf Hitler anexara a Áustria, dando uma demonstração de seu poder e de suas intenções expansionistas. Já Neville Chamberlain, primeiro-ministro do Reino Unido, tentava a todo custo evitar o conflito com uma política de não-agressão.

Por conta disso, aquele amistoso estava envolto no clima político da época. Para os nazistas, era a oportunidade de mostrar a superioridade da raça ariana. Para os ingleses, era um momento delicado, no qual precisavam demonstrar disposição à diplomacia ao mesmo tempo em que queriam manter sua posição como potência futebolística e, por que não?, também política. “É realmente importante para o nosso prestígio que a seleção britânica deva ter uma verdadeira performance de primeira classe. Eu espero que seja feito todo o esforço possível para assegurar isso”, disse Sir Robert Vansittart, conselheiro diplomático principal do Foreign Office, o ministério das relações interiores, a Stanley Rous.

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Stanley Rous foi o responsável por dar a ordem aos jogadores da Inglaterra. Em 1961, se tornou presidente da Fifa. (créditos: Fifa.com)

A necessidade de um gesto de respeito aos donos da casa era necessário, na visão estratégica dos britânicos. Neville Henderson, embaixador na Alemanha, teve a ideia que marcaria aquela partida para além do próprio resultado em campo. Rous, que se tornaria presidente da Fifa em 1961, acabou concordando. Talvez porque ele mesmo tivera, nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, uma experiência que o faria entender bem o significado daquela partida. Na ocasião, em uma das partidas de futebol, Hitler teria se ofendido porque os jogadores ingleses não o notaram no estádio. Por isso, o dirigente se encarregou de, horas antes do jogo, informar os atletas sobre o gesto que teria de ser feito antes de a bola rolar.

A ordem, como era de se esperar, não foi bem recebida pela equipe. O lendário Sir Stanley Matthews lembrou a reação dos jogadores. “Todos estavam lívidos e se opuseram totalmente a isso, inclusive eu. Eddie Hapgood, normalmente um respeitado e devotado capitão, sacudiu seu dedo para o oficial e disse a ele o que poderia fazer com a saudação nazista, o que envolvia colocá-la onde o sol não bate”, contou o ídolo de Stoke City e Blackpool e um dos maiores atletas britânicos de todos os tempos.

De nada adiantou o protesto: os jogadores ingleses acabaram obrigados a fazer, durante a execução do hino alemão, o gesto que viria a marcar a história por representar o nazismo e todo seu horror. Do ponto de vista diplomático, é possível dizer que o plano deu certo. O Reino Unido manteve sua posição de tolerância mútua com a Alemanha que seria selada em 30 de setembro daquele ano no Acordo de Munique, no qual, entre outros compromissos, os países concordaram em não se atacar.

Diplomacia fora de campo, goleada dentro dele

Se até hoje a saudação feita pelos jogadores é vista como um momento vergonhoso na história da seleção dos três leões, a partida em si foi uma confirmação de sua superioridade em relação à alemã. Nem mesmo os 110 mil espectadores presentes ao Estádio Olímpico de Berlim – entre eles nomes da elite do governo nazista, como Joseph Goebbels, Hermann Göring e Rudolf Hess (respectivamente o ministro da propaganda, líder do Partido Nacional Socialista e delegado do Führer) –, nem o reforço dos atletas do Wunderteam, a seleção da anexada Áustria, foram o bastante para diminuir a enorme diferença em campo.

Aos 16 minutos, Cliff Bastin chegou pela esquerda, cortou para dentro e finalizou para abrir o placar para os britânicos. Quatro minutos depois, Rudi Gellesch balançou as redes, deixando tudo igual e levantando a multidão no estádio. De nada adiantou a reação, entretanto: John Robinson, de cabeça após escanteio, e Frank Broome, recebendo passe de Donald Walsh, restabeleceram e ampliaram a vantagem inglesa. Os empolgados donos da casa foram ao intervalo amargando a derrota por 3 a 1.

A situação se manteve a mesma quando a bola voltou a rolar. Stanley Matthews, em espetacular jogada pela ponta direita, invadiu a área, saiu da marcação e bateu cruzado para transformar a vitória em goleada. Do outro lado do campo, Jupp Gauchel aproveitou uma saída ruim do goleiro Vic Woodley em cobrança de escanteio para diminuir a desvantagem. Não adiantou muito, pois Robinson tratou de marcar novamente e fazer 5 a 2. Ainda houve tempo para Hans Pesser descontar novamente para os germânicos e Len Goulden, com um chutaço a trinta metros do gol, definir o placar em 6 a 3.

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Stanley Matthews pronto para finalizar e fazer um dos gols da goleada inglesa sobre a Alemanha nazista. (créditos: reprodução/YouTube)

A relação entre as duas seleções naquele ano não acabou no amistoso. Era 1938, ano da terceira edição da Copa do Mundo, a ser disputada na França. A Áustria, agora parte da Alemanha, desistiu de participar do torneio. O país convidado para o seu lugar foi justamente a Inglaterra, que, no entanto, recusou o convite. Já a Mannschaft provou mais uma vez que só se tornaria uma potência do futebol depois do fim do nazismo. Logo no primeiro jogo, pelas oitavas de final, a equipe sucumbiu diante da Suíça nos pênaltis após empate em 1 a 1 no tempo normal.

Do banco de reservas para a história

Faltou contar uma parte dos eventos pré-jogo e da reação dos jogadores ingleses ao pedido – na verdade, à ordem – de Stanley Rous. Um zagueiro do Wolverhampton recusou-se terminantemente a fazer a saudação nazista e não cedeu mesmo diante da pressão política por trás daquela estratégia. O jovem Stan Cullis, de apenas 22 anos, dono da marca de atleta mais novo a usar a faixa de capitão da seleção até então, mostrou a firmeza de personalidade que marcaria toda sua carreira.

Para resolver o impasse, a solução encontrada foi tirá-lo do time titular. Stan Cullis assistiu do banco de reserva àquela histórica partida e voltou a figurar entre os onze iniciais nas partidas seguintes.

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Stan Cullis foi ídolo do Wolverhampton, virou estátua no estádio Molineux Stadium. (créditos: Wikimedia Commons)

A recusa em saudar o regime nazista, no entanto, não foi o único ato digno de reconhecimento por parte de Cullis. Jogador dos Wolves durante toda a carreira, entre 1934 e 1947, ele assumiu o comando do time em 1948, pouco depois de deixar os gramados. Inspirado em nada menos que a seleção da Hungria do começo da década de 1950, ele implantou um sistema de jogo rápido e objetivo, além de um forte senso de equipe entre seus comandados. Por conta disso, ficou conhecido como “Iron Manager”, ou “Treinador de Ferro”.

Logo em 1949, seu segundo ano no cargo, Cullis conquistou a Copa da Inglaterra com vitória sobre o Leicester City no estádio Wembley. Já em 1953-1954 foi a vez de conquistar o Campeonato Inglês, o primeiro da história do Wolverhampton, feito repetido em 1957-1958 e 1958-1959, sendo estes até hoje os três únicos troféus de liga dos Wolves. Em 1960, eles levaram mais uma vez a Copa nacional. A relação acabou em 1964, quando a diretoria demitiu Cullis. Os torcedores ficaram revoltados, especialmente porque a situação não melhorou depois da saída do ídolo: no ano seguinte, o clube seria rebaixado à segunda divisão e nunca mais teria o mesmo status. “Cada um só tem uma vida e eu dei a minha ao Wolves”, afirmou o apaixonado Stan Cullis.

A trégua que não durou muito

Por mais que o gesto da seleção inglesa fizesse parte de um plano diplomático por parte do Reino Unido, conhecido como “Política de Apaziguamento”, em abril de 1938, um mês antes do amistoso, o governo de Neville Chamberlain passou a organizar a BEF, Força Expedicionária Britânica, e a promover um rearmamento e melhorias nas Forças Armadas. Por conta disso, no dia 3 de setembro de 1939, data oficial do início da Segunda Guerra Mundial, já estavam prontos para ir à França nada menos que 400 mil soldados e 500 aviões.

Esses acontecimentos precederam os momentos mais tensos da Seguda Guerra Mundial. Não contente em ter anexado a Áustria e a Polônia, Adolf Hitler atacou, em 10 de maio de 1940, Holanda, Bélgica e França. A invasão possibilitou ao exército alemão encurralar as tropas aliadas de Inglaterra e França na pequena cidade francesa de Dunquerque, onde ocorreu a chamada Batalha de Dunkirk, tema de um filme de mesmo nome em 2017, dirigido por Christopher Nolan. Uma operação dos Aliados conseguiu o feito de resgatar a maior parte dessas tropas, estratégia que ficou conhecida como a retirada mais vitoriosa de todos os tempos.

A partir daí, houve um curto período sem conflitos, com Hitler esperando uma proposta de acordo de paz por parte da Inglaterra. Entretanto, como a proposta não veio, o líder nazista resolveu ir ao ataque no início de agosto de 1940. Com menos homens e aviões, os britânicos travaram batalhas devastadoras contra os invasores. A cidade de Londres foi vítima de uma blitz germânica que durou 67 dias entre 7 de setembro e 13 de novembro e a deixou quase devastada. Foi a chamada “Resistência Britânica”, fundamental para a vitória conquistada em maio de 1941, quando a Alemanha se retirou e passou a guerrear em outras frentes.

As seleções dos dois países só voltariam a se enfrentar em 1º de dezembro de 1954. A Alemanha, agora com a alcunha “Ocidental” por conta da divisão do país entre capitalista e comunista (Oriental), já tinha outro status no futebol mundial, especialmente por conta do título da Copa do Mundo daquele ano diante da histórica Hungria de Puskás, Kocsis e Czibor. Portanto, era de se imaginar que a equipe seria favorita diante da Inglaterra, eliminada pelo Uruguai nas quartas de final do torneio.

Mesmo assim, foi a Inglaterra quem levou a melhor. Stanley Matthews, sempre ele, cruzou para Roy Bentley abrir o placar de cabeça. No começo da segunda etapa, Ronnie Allen ampliou. Alfred Beck acertou um chute preciso no canto esquerdo e descontou para a Alemanha, mas Lee Shackleton, com um toque de classe na saída do goleiro, fechou o placar em 3 x 1 com grande estilo. Mais uma vez, os ingleses levavam a melhor sobre os alemães. Felizmente na bola, e não mais na guerra.

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