Por Luiz Vendramin Andreassa
Felipe Melo estava mais quieto, mais tranquilo depois de ser expulso no começo do jogo contra o Cerro Porteño e colocar em risco uma classificação certa do Palmeiras às quartas de final da Libertadores. Desde então, jogou de forma mais disciplinada, não levou cartões nas quatro partidas seguintes (um grande feito, no seu caso) e marcou o gol de empate contra o Bahia no último domingo (16). Na entrevista pós-jogo, porém, ele voltou aos holofotes por outro motivo que não seu futebol. “Quero agradecer a Deus pelo gol, à família. Esse gol vai para o nosso futuro presidente Bolsonaro. É muito importante seguir nessa sequência de não perder”, disse ao microfone.
Imediatamente, abriu-se o Mar Vermelho das opiniões nas redes sociais: de um lado os apoiadores do candidato do PSL e da atitude de Felipe Melo, do outro aqueles que não suportam o primeiro e, portanto, desaprovaram a declaração. Quando esse mar se divide, pouca gente fica no meio, pedindo moderação e reflexão sobre um tema incandescente como esse. É o momento de fazê-lo aqui.
É preciso deixar claro: Felipe Melo, como qualquer cidadão brasileiro, tem o direito de dizer o que quiser e de apoiar o presidenciável que achar melhor preparado para o cargo. A não ser que resvale em algum caso previsto no código penal, como injúria racial, sua liberdade de expressão deve ser irrestrita. Por outro lado, o Palmeiras, caso se visse prejudicado pela declaração, uma vez que o jogador vestia seu uniforme e representava sua instituição, poderia punir seu contratado. Mas isso só seria justo se estivesse acordado entre as partes que esse tipo de declaração, em momento de trabalho, seria passível de punição.
Como um acordo do tipo parece não existir, o clube soltou apenas uma nota burocrática sobre o acontecido. “A Sociedade Esportiva Palmeiras vem a público esclarecer que o posicionamento político do atleta Felipe Melo reflete, única e exclusivamente, uma manifestação particular, e não da instituição. O Palmeiras respeita qualquer posição política de seus atletas, empregados e colaboradores e ratifica a sua neutralidade nas questões políticas, partidárias, de crenças, religiões e quaisquer outras formas de manifestações pessoais”, e ponto final.
Agora, como qualquer um que exerça seu direito de se expressar, Felipe Melo é passível de críticas por quem quer que seja. Até mesmo que setores da torcida peçam sua demissão, como fez a página “Palmeiras Antifascista” em mensagem no Facebook. Só não pode ser agredido, constrangido e outras coisas do tipo. O discurso se combate com discurso, não com violência, e o Estado não que se meter, a não ser se o já citado código penal deva ser acionado.
Para muitos dos que detestam Jair Bolsonaro e veem no candidato um fascista propagador de discurso de ódio, o volante palmeirense ultrapassou o limite do aceitável e deveria ser censurado. Para o STJD, o caso pode ir a julgamento: “imagina se vira moda”, justificou o procurador-geral Felipe Bevilacqua. Isso é errado. Felipe Melo não ameaçou ninguém nem ofendeu um grupo social (como tantas vezes fez seu candidato, sem ser por isso condenado mesmo quando deveria). Ele dedicou seu gol ao presidenciável, e só. Assim como no começo da década de 1980 a Democracia Corintiana defendeu abertamente o fim da Ditadura Militar. A causa era mais nobre? Sem dúvidas. Mas a democracia e a liberdade de expressão servem para todos, e não só para aqueles com quem concordamos. Se não houvesse espaço para Felipe Melo, tampouco haveria para a Democracia Corintiana ou para os protestos de jogadores da NFL contra a violência policial.
Passando dos limites
Agora vamos a outra referência a Bolsonaro na rodada do último fim de semana do Campeonato Brasileiro. Torcedores do Atlético-MG provocaram os cruzeirenses no clássico de Belo Horizonte cantando “Ô cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”. A “brincadeira” faz referência às piadas dirigidas aos fãs da Raposa, chamadas de “Marias” pelos rivais, numa tentativa de ofensa pelo questionamento de sua sexualidade – como se ser homossexual fosse algo negativo.
https://twitter.com/pedrosadanillo/status/1041456092075761664
É um caso diferente da declaração de Felipe Melo. Trata-se de uma ameaça à própria vida de um grupo de pessoas, uma apologia do assassinato em caso de vitória do candidato do PSL, a despeito do que este faria caso eleito presidente. É mais do que uma ofensa. É impossível considerar uma brincadeira. Não dá para relativizar. Em uma sociedade que se diz civilizada, esse tipo de manifestação não pode acontecer.
O Atlético-MG reagiu de forma adequada ao canto desprezível desse grupo de torcedores. “O CAM lamenta profundamente as manifestações homofóbicas de parte dos torcedores, no jogo deste domingo, no Mineirão. Reiteramos nosso repúdio a quaisquer gestos de preconceito ou de incitação à violência”, afirmou o clube no Twitter. Sérgio Sette Câmara, presidente do clube, ao ser questionado, tentou evitar o assunto, mas reiterou o conteúdo da postagem. “A nota, acho que ela é autoexplicativa. Inclusive, nós já tínhamos até, antes mesmo desse lamentável episódio, repito, já feito campanhas através do Twitter, Facebook, enfim, dos canais apropriados contra qualquer tipo de discriminação, seja ele racial, de gênero, etc. O Galo é de todos”.
No aspecto legal, a Constituição do Brasil afirma, no art. 3ª, inc. IV, que visa “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para complementar o artigo, foi aprovada a Lei 7.716/89, que torna o preconceito racial um crime. Infelizmente, o mesmo ainda não aconteceu em relação à homofobia e afins, como lesbofobia e transfobia. Portanto, o Galo pode até receber punição pelo ato de seus torcedores, mas os indivíduos que o fizeram não podem ser presos.
Porém, a falta de uma lei específica que torne crime o preconceito de gênero não torna o episódio menos triste e repreensível. Se Felipe Melo estava em seu direito ao declarar apoio a Bolsonaro, a canção contra os homossexuais não pode ser admitida pela sociedade. Todos precisam se levantar e se posicionar diante de manifestações desse tipo, independentemente de preferência política ou partidária.