Por Luiz Vendramin Andreassa
Felipe Melo foi o grande destaque do empate que o Palmeiras arrancou contra o Bahia, na Fonte Nova, em 16 de setembro deste ano. Por ter feito o gol que igualou o placar em 1 a 1 e impediu o que seria a única derrota do campeão em todo o segundo turno, o volante foi entrevistado ao fim da partida e, ainda no campo, dedicou o feito a um dos candidatos da corrida presidencial. “Quero agradecer a Deus pelo gol, à família. Esse gol vai para o nosso futuro presidente Bolsonaro. É muito importante seguir nessa sequência de não perder”, declarou.
Não era a primeira manifestação de Felipe Melo a respeito do político do PSL – meses antes, ele tinha expressado opinião semelhante no Instagram. Cobrado por respostas, o Palmeiras divulgou na época uma curta nota oficial sobre o episódio, afirmando que “o posicionamento político do atleta reflete, única e exclusivamente, uma manifestação particular, e não da instituição”. Não foi o que pareceu no dia da vitória contra o Vasco, na penúltima rodada, quando, após receber os parabéns de Bolsonaro pelo título sacramentado, a diretoria alviverde o convidou para assistir da tribuna de honra o jogo contra o Vitória e a festa pela conquista do nacional.
Pode-se argumentar que o convite tenha sido apenas um gesto de cordialidade para com o futuro chefe do Executivo do país. Realmente, não seria um absurdo. A situação mudou mesmo quando a CBF convidou Bolsonaro para participar da premiação dos atletas e o Palmeiras. Cada jogador campeão subiu ao palco armado no gramado do Allianz Parque para receber a medalha e cumprimentar o ilustre convidado, que trouxe de bônus seu colega de partido e senador eleito por São Paulo, Major Olímpio, corintiano vestido com camisa amarela estampada com frase de campanha política e número 17 nas costas.
Bolsonaro aproveitou o momento e o apoio da maior parte dos 41 mil palmeirenses presentes para fazer da premiação um palanque eleitoral – mesmo já estando eleito. Cumprimentou seus apoiadores nas arquibancadas com o tradicional sinal de armas com as mãos, apareceu em quase todas as fotos do levantamento do troféu, levantou ele próprio a taça e deu até volta olímpica. Parecia a associação perfeita: o Palmeiras agradava o futuro presidente do Brasil e a maioria do seu público naquela noite e, por outro lado, Bolsonaro pegava o embalo de uma conquista da qual não participou.
O problema é que, como o próprio clube afirmou em 9 de outubro, em nota de repúdio a matéria do jornal argentino Clarín que o associava ao ex-deputado e ao fascismo, “generalizar que a torcida do Palmeiras apoia determinado candidato é, no mínimo, imprecisão jornalística e incoerência”. Muitos palmeirenses se manifestaram nas redes sociais para condenar a atitude da diretoria alviverde e lamentar a presença do político na festa do título. Um torcedor, por exemplo, destacou a contradição de um time formado por imigrantes italianos fazer festa com alguém que já chamou imigrantes de “escória da humanidade”. Isso sem falar nas já costumeiras manifestações de grupos de torcedores progressistas, como a P-16 e o Palmeiras Livre.
Palmeirenses mais famosos também mostraram sua insatisfação com o episódio em entrevistas à CartaCapital. O neurocientista Miguel Nicolelis, que veio dos Estados Unidos, onde mora, para acompanhar a última participação de seu time de coração no Campeonato Brasileiro, lembrou o uso do futebol por regimes totalitários. “Fiquei lembrando de quando Benito Mussolini, na Itália, usava o esporte para fazer propaganda de seu regime, ou de como o governo alemão fez uso da Olimpíada de 1936 para propagar as ideias de seu regime”, afirmou. Para Marco Ricca, que interpretou um corintiano que se disfarçava de palmeirense no filme “Romeu e Julieta”, a jornada “terminou de forma melancólica”. Já o músico e apresentador João Gordo disse que “ele [Bolsonaro] está cada hora com a camisa de um time” e que “manchou a história do Palmeiras”.
Muitos vão se lembrar de casos nos quais outros políticos comemoraram com jogadores o título do seu time de coração. Para citar o caso de um representante do outro lado do espectro político, Lula recebeu no Palácio do Planalto uma comitiva de corintianos para celebrar a conquista do Campeonato Brasileiro de 2005. A diferença é que, na ocasião, o líder petista era presidente de fato do Brasil, o que tornou a atitude do Corinthians mais “formal” e menos “política”; para ser igual, o Palmeiras teria de ter convidado Michel Temer para comparecer ao seu estádio e aceita-lo como parte da celebração. Em 2011, por outro lado, jogadores alvinegros entraram em campo com uma faixa onde se lia “#ForçaLula”, dias depois de um diagnóstico de câncer na laringe. Na ocasião, os corintianos anti-Lula tiveram de aceitar o gesto de apoio.
A questão é que – e isso nos leva ao ponto principal desta matéria – os tempos eram diferentes em 2005 e 2011. Mesmo com o mensalão manchando o primeiro mandato de Lula, o Brasil vivia um momento político muito menos conturbado e polarizado do que o atual. Já em 2011, Lula era o ex-presidente que um ano antes deixara o cargo com nada menos que 87% de aprovação e elegera sua sucessora, Dilma Rousseff. Os escândalos revelados pela Operação Lava-Jato e os crimes que levariam o petista à cadeia estavam longe de vir à tona. Consequentemente, o sentimento antipetista, usado habilmente por Bolsonaro para vencer a eleição presidencial de 2018, não se comparava ao nível atual. O Brasil era outro.
O Palmeiras, ao deixar Bolsonaro participar da festa e fazer dela seu palanque, associou sua imagem à de um político que pode ser popular agora, mas que nada garante que o seja daqui quatro anos – ou até menos. Se a relação “amigável” for levada adiante, essa ligação pode, num futuro mais distante, fazer com que o clube seja atado a uma tragédia política, assim como o Real Madrid é apontado como favorecido pela ditadura franquista, na Espanha. É uma estratégia arriscada: como bem lembrou o jornalista Leandro Beguoci, “a associação com um político, mesmo sendo o presidente da República, é sempre ruim a longo prazo. Apaga o mérito esportivo, mesmo quando ele era enorme”.
Na mesma sequência de posts no Twitter, Beguoci destacou outro ponto importante: o modo como a conquista do maior título nacional acabou ofuscada por conta da decisão da CBF acatada pela diretoria palmeirense. O futebol acabou em segundo plano nos jornais e sites jornalísticos, nas conversas no WhatsApp e, claro, nas redes sociais. Ocuparam-se com discussões políticas os espaços que deveriam ser dedicados a exaltar o trabalho de Dudu, Felipão, Bruno Henrique e companhia. Ao invés da atuação dos atletas, o debate é sobre as opiniões que jogadores deixaram transparecer, ou não, ao cumprimentarem Bolsonaro.
No site Nosso Palestra, o jornalista e palmeirense mais que assumido Mauro Beting levantou outro ponto: a forma como, ao participar da cerimônia e levantar o troféu, Bolsonaro interferiu num momento que deveria ser, única e exclusivamente, dos jogadores e torcedores palmeirenses. “As medalhas são deles. Não de quem as coloca no pescoço. Não de quem aparece na foto só na festa. Nas quedas não o vi nas arquibancadas. Nas derrotas não o vejo nas redes, presidente”, escreveu.
Ao fim, não se trata de condenar a ligação entre futebol e política – ela existe e é a razão da existência deste site. Trata-se de questionar a politicagem pura e simples, aquela oportunista, tão diferente da política nobre, de diálogo e construção de acordos, que o Palmeiras não faz, por exemplo, a respeito dos preços proibitivos de seus ingressos. Muitos palmeirenses acordaram com raiva na segunda-feira, ao invés de orgulhosos pelo décimo título nacional do seu time. E este é apenas um dos problemas de se associar a política ao pior do futebol, e o futebol ao pior da política.