Por Luiz Vendramin Andreassa
Minha esposa comentava, indignada, a reação da comunidade do futebol ao caso Daniel Alves. Segundo ela, a convocação do jogador para a última Copa do Mundo causou mais revolta do que a grave acusação de estupro que ele agora enfrenta. Prontamente, eu tentei rebater, dizendo que não se pode generalizar, que a imprensa e muitos influenciadores têm dado ao caso a atenção que ele merece e que não há como medir a resposta do público nos dois momentos – uma pesquisa, porém, aponta que a reação à convocação foi mesmo muito maior.
Minha atitude, refleti depois, é um dos sinais da necessidade de abordar esse tema aqui no Futebocracia.
Nós, homens, tendemos a ficar na defensiva quando mulheres apontam o machismo e as injustiças que sofrem. “Eu não sou assim. Meus amigos não fazem isso. Nem todos os fãs de futebol estão passando pano para o Daniel Alves”. A energia que usamos para defender uns aos outros seria muito melhor aproveitada se a usássemos para discutir, com honestidade e cabeça aberta, o quanto nossos comportamentos, instituições e comunidades precisam se transformar.
Siga o Futebocracia nas redes sociais!
Para quem ainda não sabe o que aconteceu, Daniel Alves está preso na Espanha, acusado de estuprar uma mulher numa balada em Barcelona, no dia 30 de dezembro do ano passado. As contradições em seus depoimentos, as filmagens do local e a consistência da acusação o colocaram em situação muito difícil, mas, para todos os efeitos, ele é inocente até que tenha sido devidamente julgado. Por isso, vou usar esse caso para fazer uma reflexão, o que independe do resultado da investigação e da decisão da Justiça espanhola.
A parcela masculina do futebol precisa assumir sua parte no machismo que ainda lhe é indissociável. Quando digo futebol, me refiro a todos os homens que fazem parte dele: jogadores, treinadores, cartolas, jornalistas, influenciadores e, claro, torcedores. Ninguém tem culpa, individualmente, por crimes como o de Robinho – este, sim, condenado definitivamente por estupro na Itália -, mas todos temos a responsabilidade de nos posicionar. Em 2020, o Santos não viu problema em contratar Robinho quando o atacante já havia sido condenado em primeira instância, e só rescindiu o contrato depois de muita pressão dos patrocinadores. Pouco mais de um ano depois, a sentença foi mantida até acabarem as possibilidades de apelação.
É impossível dizer que jogadores de futebol, ou de qualquer outro esporte, são mais propensos a cometer violência contra mulheres. Tampouco que ser fanático por seu time ou ser membro de uma torcida tem alguma influência nisso. Mas fica claro que existe algo errado quando atletas importantes, treinadores (como Tite, que convocou Daniel para a Copa por sua liderança no grupo), dirigentes, jornalistas e torcedores não reagem de maneira clara e firme quando um dos jogadores mais vitoriosos da história é acusado de estupro.

Nós, que somos fãs incondicionais do futebol, valorizamos sua influência e importância na sociedade, na política, na economia. Para provar que “não é apenas um jogo”, enchemos a boca para falar que ele parou guerras, colaborou para transformações e avanços sociais, contestou ditaduras, criou consciência coletiva. Se ostentamos as qualidades do nosso esporte favorito, também precisamos assumir a responsabilidade de quando ele mostra seu outro lado – o lado do machismo, da violência, da cultura do estupro.
Têm acontecido avanços importantes nos últimos anos. Hoje em dia, mulheres são árbitras, comentaristas, presidentes de clubes; há mais torcedoras nas arquibancadas; os jogos femininos são mais assistidos do que nunca. “O futebol sempre foi o ambiente da masculinidade tóxica, onde os caras se sentiam livres pra tratar mulheres como objetos sem nem precisar disfarçar. Era como se ali houvesse uma ‘licença poética’ pra exercer o ápice da sua virilidade sem ser incomodado”, lembra uma matéria do site Dibradoras, sobre o caso Daniel Alves. Apesar dos passos à frente, ainda é preciso avançar muito.
O futebol só se tornará um ambiente realmente justo e seguro para as mulheres quando nós, homens, pararmos de fugir das discussões mais importantes. Quando deixarmos de lado a postura defensiva e a proteção que oferecemos uns aos outros de forma instintiva, mesmo quando não temos essa intenção. E quando pensarmos por que, como punição à violência nos estádios, jogos do Campeonato Paranaense estão acontecendo apenas com presença de mulheres e crianças. Esse é um bom sinal de que o problema está, mesmo, em nós.
