Vinicius Júnior comemora um gol pelo Real Madrid com torcedores ao fundo

Por que Vinicius Junior é vítima de tanto racismo, xenofobia e perseguição na Espanha?

Por Luiz Vendramin Andreassa

“Não é fácil ser Neymar”. Em 2018, Edu Gaspar, então coordenador técnico da Seleção Brasileira, usou essas palavras para rebater as críticas a seu principal jogador. “É difícil estar na pele dele. Chega a dar pena”, completou o ex-jogador. À época, a declaração chegou a ser ridicularizada – afinal, se é difícil ser um milionário astro do futebol mundial, o que dizer das pessoas “comuns”? Em 2023, porém, é factível dizer que não é fácil ser Vinicius Júnior, igualmente astro e milionário, mas vítima de uma verdadeira perseguição na Espanha, com altas doses de racismo e xenofobia.

Episódios racistas são, infelizmente, comuns no futebol. O que diferencia o caso do atacante do Real Madrid é a frequência e a intensidade que eles atingiram. Em campo, como jogador habilidoso, insinuante e provocador, Vinicius Júnior é o mais caçado entre as grandes ligas europeias. Fora dele, sofre com insultos e ameaças. Em um dos casos mais famosos, Pedro Bravo, presidente da Associação de Agentes Espanhóis, disse na televisão que ele tem de “deixar de brincar de macaco”. Mais recentemente, torcedores do Atlético de Madrid usaram um boneco para simular seu enforcamento.

Por que, afinal, mais do que outros jogadores negros e sul-americanos, Vini é tão perseguido na Espanha?

“Porque é um negro retinto com o sorriso largo, feliz. Outros jogadores que passaram pela Espanha podem não ter essas características. E o posicionamento dele é algo que marca muito. O racismo aumenta a partir do momento em que ele se posiciona, em que ele diz que não vai aceitar quieto”, analisa Marcelo Carvalho, fundador e diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, órgão que monitora casos de preconceito de raça no futebol brasileiro. “Geralmente, o racismo opera dessa forma: se você se mostrar contundente na luta, os racistas acabam vindo com mais força”, completa.

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Marcelo Carvalho lembra de outros jogadores que se levantaram contra o racismo no futebol europeu, como o italiano Mario Balotelli e o francês Moussa Marega, ambos vítimas constantes. Em comum com o caso de Vini está justamente a reação contundente que eles tiveram. Em 2019, quando defendia o Brescia, Balotelli chutou a bola contra a arquibancada e ameaçou deixar o campo depois de ouvir ofensas da torcida do Hellas Verona. No ano seguinte, Marega, então no Porto, pediu para ser substituído e xingou os torcedores racistas.

Felipe Lobo, que cobre futebol internacional há 14 anos pela Trivela, aponta o contexto social e midiático que envolve essa perseguição. “Ela vem também do momento que o mundo vive, de um retrocesso de comportamento e de quase incentivo ao racismo. E há um outro aspecto: falar sobre o Vinicius Júnior passou a gerar audiência. Vivemos em uma era em que esse tipo de comportamento repercute. Então, os programas investem muito nessa pauta”, afirma o jornalista.

Boneco de Vinicius Júnior pendurado em uma ponte em Madrid, sob uma faixa dizendo "Madrid odeia o Real"
Em um dos ataques mais repulsivos a Vinicius Júnior, um boneco foi usado para simular seu enforcamento, em Madrid. (créditos: reprodução/Twitter)

A reação lenta, tímida e insuficiente das instituições e clubes do futebol espanhol dá ainda mais força aos ataques racistas. A LaLiga, que gere a primeira divisão, tem apresentado denúncias à justiça do país contra insultos a Vinicius Júnior (já foram seis em 2023, até o fechamento desta matéria) e criou, em fevereiro deste ano, uma comissão para cuidar desses casos. Ela já teve tempo para fazer bem mais. A primeira denúncia de racismo contra o brasileiro data de outubro de 2021, depois de clássico entre Barcelona e Real Madrid, no Camp Nou. Desde então, os casos só aumentaram.

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“A atuação de LaLiga é ineficiente, para dizer o mínimo. Deveria haver uma ação mais contundente, sem dúvida, punindo jogadores e técnicos que estão constantemente acusando Vinicius Júnior de ‘usar a carta do racismo’”, afirma Felipe Lobo. “Além disso, é preciso que a liga cobre as autoridades para punições mais duras contra os torcedores, inclusive tratando de punições esportivas. Mas punição esportiva por racismo sempre gera discussões e ninguém parece ter coragem de fazer”, completa.

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Marcelo Carvalho concorda. “A Espanha não tem uma lei de combate ao racismo e a LaLiga acaba sendo muito complacente. Quando torcedores do Atlético de Madrid entoaram cantos racistas, a LaLiga disse que não iria puni-los porque eram poucos e não representavam o clube. Isso sinaliza para os demais torcedores que ela não vai fazer nada”. Nesse caso específico, de dezembro de 2022, o Ministério Público chegou a abrir uma investigação, mas não indiciou os envolvidos. Segundo o órgão, apesar de os cantos serem “desagradáveis, inapropriados e desrespeitosos”, eles duraram “poucos segundos” no contexto de “um jogo de futebol com máxima rivalidade”.

Vinicius Júnior levanta o punho esquerdo e coloca a mão direita sobre o peito para protestar contra o racismo
Vinicius Júnior costuma se manifestar contra o racismo nas redes sociais, assim como fez ao erguer o punho em partida contra o Mallorca, em 2020. (créditos: reprodução/Instagram)

O cerco do racismo contra Vinicius Júnior

A falta de ação das autoridades é reforçada pelos clubes envolvidos, inclusive o próprio Real Madrid, que se limitam a divulgar notas de repúdio contra os ataques. Soma-se a isso a atuação da mídia espanhola, com sua preferência por falar das danças e provocações de Vinicius, ao invés das violências que ele sofre. Não surpreende que se sinta desamparado pelo próprio Real Madrid e evite as instâncias oficiais ou a imprensa para se manifestar. Para isso, ele tem usado as redes sociais.

No fim de 2022, o craque usou seu perfil no Twitter para dizer que “racistas seguem indo aos estádios e assistindo ao maior clube do mundo de perto e a LaLiga segue sem fazer nada”. Em setembro daquele ano, depois de outros ataques da torcida colchonera antes de um Dérbi de Madrid, ele publicou um vídeo sobre o tema: “dizem que a felicidade incomoda; a felicidade de um preto, brasileiro, vitorioso na Europa, incomoda muito mais”.

Apesar dos inúmeros casos de racismo no futebol espanhol e europeu, os ataques a Vinicius Júnior se transformaram em perseguição justamente porque vêm de todos os lados. Enquanto torcedores rivais o chamam de macaco e as autoridades pouco fazem, adversários abusam da violência dentro de campo – o brasileiro Gabriel Paulista lhe acertou um pontapé injustificável recentemente – e a arbitragem não age com rigor necessário. Esse cerco de ódio gerou boatos de que o atacante poderia (ou até deveria) deixar o Real Madrid como forma de punição aos envolvidos.

“Acho que seria uma vitória dos racistas, porque eles vão se sentir empoderados, a partir do momento em que podem determinar o que querem ou não. E aí vai se abrir um precedente para outros lugares do mundo”, afirma Marcelo Carvalho, que prefere outra forma de combater o racismo. “Precisamos que várias instituições trabalhem em conjunto, pois uma instituição só não vai resolver o problema”.

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Felipe Lobo, da Trivela, segue raciocínio parecido. “Acho que é uma grande bobagem [deixar a Espanha]. O racismo existe em todos os lugares, inclusive no Brasil, onde o Vinicius foi por vezes criticado com tons racistas. A Espanha, de fato, vive um problema grave neste momento e essa é uma questão que precisa ser endereçada pelas autoridades. Assim como em outras partes do mundo, como o Brasil, por lá a extrema direita tem uma voz importante e acaba minimizando muito isso no debate público. Mas sair da Espanha não resolve o problema nem será visto como punição”, opina.

Rodrygo e Vinicius Júnior dançam em campo para comemorar um gol do Real Madrid contra o Atlético de Madrid
As danças em comemorações de gols, como esta feita com Rodrygo, é cinicamente apontada como um dos motivos da perseguição a Vinicius Júnior na Espanha. (créditos: reprodução/Twitter)

Segue o baile de Vinicius Júnior

Por outro lado, Vini tem recebido o apoio de colegas, celebridades e torcedores. A torcida do Real Madrid, que já se envolveu em casos de racismo no passado, tem usado cantos e manifestações para ajudar o atacante. Em outubro de 2022, a Educafro e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, organizações sediadas em São Paulo, pediram à Justiça uma indenização de 10 milhões de reais para o povo brasileiro, em resposta à fala de Pedro Bravo. O treinador Carlo Ancelotti, por sua vez, mostrou indignação. “Parece que o problema é Vinicius, e não é assim. É um problema do futebol espanhol e deve ser resolvido”, disse o comandante da equipe merengue.

O português João Félix, que jogou no Atlético de Madrid até janeiro deste ano, defendeu o ex-rival. “Não entendo as críticas ao Vinicius. Deve ser porque ele é melhor que os outros, porque faz dribles que os outros não conseguem. Reclamam que seus dribles são provocação, mas o futebol é assim. É uma pena que envolvam racismo nisto”, declarou o atacante emprestado ao Chelsea. Neymar e outros boleiros já usaram a hashtag #BailaViniJr para apoiar o colega de Seleção.

No Marrocos, onde o Real Madrid venceu o último Mundial de Clubes, simpatizantes do time espanhol mostraram empatia pelo brasileiro. “O Vinicius sofre preconceito porque é como nós. Ele é negro e latino, nós somos africanos e também sofremos preconceito. Para alguns é difícil aceitar quando um de nós faz sucesso pelo seu talento”, disse, ao site UOL, um dos presentes ao Estádio Moulay Abdalah, na semifinal.

E foi no país africano que Vinicius Júnior repetiu aquilo que mais tem feito nos últimos anos: decidir jogos. Ele balançou a rede três vezes, sendo duas delas na vitória por 5 a 3 sobre o Al-Hilal na final, e foi eleito o melhor jogador do Mundial. Torneio do qual o Real Madrid participou devido ao gol do menino de São Gonçalo que garantiu o título da Liga dos Campeões na temporada 2021/2022, sobre o Liverpool.

Se o sucesso de um jogador negro, retinto e brasileiro é mesmo um dos motivos do ódio contra o camisa 20, é melhor as autoridades espanholas fazerem seu trabalho. Os racistas ainda vão se morder muito por causa do brilho de Vini Jr.

Vinicius Júnior posa com o troféu do Mundial de Clubes de 2023, torneio do qual foi eleito o melhor jogador
Um dos melhores jogadores do mundo, Vinicius Júnior foi novamente decisivo pelo Real Madrid no Mundial de Clubes de 2023 (créditos: rep./Instagram)

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